A intercooperação é um dos princípios fundamentais do cooperativismo moderno, estabelecido pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Ela preconiza que cooperativas devem trabalhar juntas, local, regional, nacional e internacionalmente, para fortalecer o movimento cooperativo e servir melhor seus membros. Apesar de seu potencial transformador, a prática da intercooperação enfrenta inúmeros desafios tanto no Brasil quanto no cenário global. Analisar esses obstáculos é essencial para compreender por que o princípio ainda está distante de sua plena realização e quais caminhos podem ser trilhados para superá-los.
1. Falta de Cultura Cooperativa Consolidada
Tanto no Brasil quanto em várias partes do mundo, ainda predomina uma cultura individualista, voltada à concorrência e ao lucro imediato. Muitos dirigentes e cooperados vêm de formações tradicionais do mercado capitalista, o que dificulta a adoção de práticas genuinamente cooperativas e solidárias. A intercooperação exige confiança, visão de longo prazo e espírito de comunidade — valores que precisam ser cultivados sistematicamente.
2. Fragmentação e Isolamento entre Cooperativas
No Brasil, existem milhares de cooperativas, mas poucas atuam em redes sólidas de apoio mútuo. A falta de integração entre cooperativas de diferentes setores (agropecuário, crédito, saúde, educação, trabalho, etc.) resulta em isolamento, enfraquecendo sua capacidade de competir e inovar. No cenário global, a fragmentação é ainda mais evidente, com poucos mecanismos efetivos de coordenação entre cooperativas de diferentes países e continentes.
3. Competição Interna e Desconfiança
Em muitos casos, cooperativas que atuam em setores semelhantes se veem como concorrentes em vez de parceiras. A ausência de políticas claras de cooperação leva à desconfiança mútua, sabotando projetos conjuntos que poderiam fortalecer o movimento como um todo. A lógica de mercado, internalizada em várias cooperativas, muitas vezes suplanta a lógica da solidariedade.
4. Diferenças de Estrutura e Governança
Outro entrave importante é a diversidade de modelos de gestão e governança. Cooperativas de crédito, de produção ou de consumo, por exemplo, possuem estruturas administrativas muito diferentes, o que dificulta a integração de processos e estratégias. A ausência de padrões comuns para projetos de intercooperação gera conflitos de interesse, burocracias excessivas e ineficiência.
5. Falta de Investimento em Plataformas e Tecnologias de Intercooperação
No mundo contemporâneo, a intercooperação exige ferramentas tecnológicas para integrar, organizar e viabilizar a ação coletiva. A maioria das cooperativas, porém, não investe em plataformas digitais próprias ou soluções de gestão compartilhada, ficando à margem da inovação necessária para impulsionar o princípio. A falta de investimento em intercooperação digital é um dos fatores que impedem o avanço global de redes cooperativas robustas.
6. Políticas Públicas e Marcos Legais Insuficientes
Embora existam avanços em termos de políticas públicas de apoio ao cooperativismo, muitos países, inclusive o Brasil, ainda carecem de legislações específicas que incentivem a intercooperação de forma mais agressiva. A falta de estímulos fiscais, acesso facilitado a crédito conjunto e regulamentações voltadas para consórcios e federações cooperativas limita o crescimento integrado do setor.
7. Dominação do Modelo Cooperativista Tradicional
Em muitos países, especialmente no Brasil, as grandes cooperativas agropecuárias e de crédito dominaram a narrativa do cooperativismo. Essas cooperativas, embora economicamente robustas, muitas vezes reproduzem práticas de mercado tradicionais e se afastam dos princípios originais do movimento, inclusive o da intercooperação. A hegemonia desse modelo dificulta a emergência de práticas inovadoras e mais solidárias.
8. Ausência de Educação Cooperativa Sistêmica
A educação cooperativa ainda é tratada de maneira superficial na maioria das instituições e programas de formação. Poucos cooperados têm formação sólida sobre o que é intercooperação, por que ela é importante e como aplicá-la na prática. Sem educação contínua, não há transformação cultural capaz de sustentar redes cooperativas vigorosas.
Conclusão: Superar para Construir o Futuro
A intercooperação é não apenas um ideal do cooperativismo, mas uma necessidade estratégica para enfrentar um mundo globalizado e competitivo. Para que ela avance, será necessário investir em educação, confiança mútua, plataformas tecnológicas, políticas públicas adequadas e uma mudança cultural profunda dentro do movimento cooperativo. Sem isso, o cooperativismo continuará sendo uma força dispersa e limitada, quando poderia ser uma alternativa transformadora para a economia e a sociedade.
O desafio é grande, mas a oportunidade é ainda maior: construir um novo tecido econômico baseado na solidariedade, na democracia e na sustentabilidade, capaz de dar respostas concretas às crises contemporâneas.